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É ÍNDIO, MAS VESTE ROUPA DE BRANCO

O impacto que a tecnologia causa na cultura das aldeias de Itanhaém

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REPORTAGEM 
 Josiane Rodrigues & Vitória Aparecida

 

FOTOGRAFIA

Josiane Rodrigues 

IMAGENS AÉREAS

Acacio Rodrigues

EDIÇÃO

Vitória Aparecida

“Vieram as redes sociais, celular, Whatsapp e até hoje é uma briga. Isso entrou e tirou o indígena da sua tradição. 

Eles querem um melhor ângulo para selfie

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Ao redor do Ocaruçu, terreiro central da aldeia, treze casas de madeira pintadas de azul claro formam um círculo. Nos telhados, antenas parabólicas, e, mais adiante, uma placa no refeitório comunitário avisa em tupi: “peru eme, petxa eme mombyrydjaywua djakaruatyapy”. Os dizeres ficam próximos à mesa em que são feitas as refeições coletivas e significam: “É proibido o uso de celular na hora das refeições e em período de atividades de trabalho. Obs: é permitido atender ligações do celular”.

A relação da aldeia indígena Tabaçu Reko Ypy com a tecnologia está consolidada. Lá existe eletricidade, rede de telefonia móvel e sinal de Wi-Fi aberto. Localizada na divisa entre Itanhaém e Peruíbe, o aldeamento é de fácil acesso, devido à proximidade com a Rodovia Padre Manoel da Nóbrega. A aldeia fica dentro da terra indígena Piaçaguera, e é composta por nove famílias, num total de 45 indígenas de etnia tupi-guarani. Todos são considerados da mesma família pelo conceito de grupo da cultura indígena. Há famílias que um dos pais não é indígena, mas são minorias na comunidade.

A chegada à aldeia é feita por uma estrada de areia fofa, e logo é possível ver um enorme lago criado artificialmente. Os indígenas contam a história de que a região foi, há muito tempo, um território explorado pela mineração. Certo dia, os mineradores escavaram o chão em busca de pedras e metais preciosos e, sem perceber que haviam atingido o lençol freático, voltaram para casa no final do expediente. No dia seguinte, quando voltaram para trabalhar, encontraram um lago no local.

Alguns metros à frente do lago fica um espaço destinado ao estacionamento de veículos, que ladeia as casas de madeira construídas pela ONG Teto Brasil. As casinhas foram erguidas originalmente com apenas um cômodo, de aproximadamente três metros quadrados. Em algumas dessas casas é possível verificar paredes divisórias feitas pelos indígenas. Assim como o refeitório, o banheiro e a lavanderia também são comunitários. Nas áreas de convivência, há lixeiras para a coleta seletiva e cartazes que explicam qual o tempo de decomposição de cada material. Além do espaço, o trabalho de limpeza do local também é compartilhado. As divisões das tarefas ficam fixadas em um painel. De um lado, os afazeres, como lavar o banheiro, varrer o Ocaruçu (local sagrado da aldeia) e recolher o lixo, no outro, nomes de crianças e adultos responsáveis por se revezarem na escala.

Em uma distância de 47, 2 quilômetros dali, está localizada a terra indígena Rio Branco. A aldeia fica próxima à divisa do Parque Estadual da Serra do Mar, em Itanhaém, em uma distância de 28 quilômetros da área urbana.

O acesso à aldeia é feito pela estrada Rio Branco, e existe a possibilidade de ir de carro ou a pé. Indo com um veículo, o trajeto pode ser feito em uma hora. Já a pé, opção usada pela maioria dos indígenas quando querem ir até a cidade, a viagem dura cinco horas. É necessário enfrentar buracos e pedras de variados tamanhos, além de atravessar dois córregos: primeiro, um riacho de aproximadamente três metros de largura e profundidade de 20 cm; depois, outro, com menos de um metro de largura e profundidade de 40 cm, que fica seco em dias de sol.

O cenário é característico entre aldeias da Baixada Santista que são mais reclusas: terreno amplo e descampado apenas na área em que as residências ficam, com mata a alguns metros de distância. Em frente às casas, encontram-se facilmente garrafas, embalagens de remédios, produtos de limpeza e itens de higiene, roupas e outros materiais que parecem ter sido dispensados como lixo, mas que permanecem amontoados com restos de alimentos. Parte de uma televisão de tubo na cor preta também foi dispensada na entrada da aldeia. O principal pedido dos moradores é um sinal de telefone.

A novidade nessas duas aldeias não é a tecnologia e nem o uso dela pelos indígenas. A preocupação está em lidar com ela nessa linha tênue, em que se utiliza de ferramentas não-indígenas para preservar a cultura nativa.

Internet é usada para divulgação na aldeia Tabaçu Reko Ypy

Miriam Dina dos Santos Oliveira carrega na identidade indígena o nome da aldeia em que vive. A liderança conhecida como Itamirim Tabaçu Reko Ypy Tupi Guarani vê esse nome com muita simbologia, uma vez que acredita fortalecer a essência mestiça que eles têm. O pai branco e a mãe indígena viveram com os filhos na cidade durante toda a infância de Itamirim. Até os 7 anos de idade, ela não tinha ciência de que era mestiça com indígena e nem noção do que isso representava.

A separação dos pais aproximou Itamirim de seus ancestrais, o que induziu ela e a mãe a morarem na aldeia. Sem saber falar a língua nativa, a menina de 7 anos vivia com dúvidas na cabeça relacionadas às tradições indígenas. Estudou até a quinta série na aldeia do Bananal, em Itanhaém, historicamente conhecida como a aldeia mais antiga da região, datada de aproximadamente 300 anos de existência. E foi com esse aprendizado que decidiu ajudar. Por ter contado com pouco apoio na infância, depois de adulta resolveu dar suporte às crianças e ensinar a importância de manter a cultura indígena, como se prevenir de preconceitos e como resistir e nunca desistir de quem você é.

“Assisti muitos jovens desistindo de suas músicas tradicionais para ouvir músicas de outras culturas, mulheres trocando o seu conhecimento de beleza natural pelo conhecimento da cultura de fora e indígenas morrerem de doenças trazidas pela alimentação inadequada”, diz Itamirim.

A maneira que encontrou para dar apoio a esses jovens foi criar um projeto que visasse superar as barreiras que ameaçam de alguma forma a identidade indígena. Para isso, usou a tecnologia como principal ferramenta. “A tecnologia está nos ajudando a trazer esse fortalecimento, porque as pessoas e os parceiros conseguem conhecer nossos projetos e a nossa vida, e, dessa maneira, trazendo benefícios”, afirma. Exemplo disso é o evento Tataruçu Katu, realizado pela terceira vez na aldeia e amplamente divulgado nas redes sociais da Tabaçu. Este ano, os dois dias de festa reuniram 164 visitantes, muitos vindos de outras cidades da Baixada Santista e até do ABC Paulista.  

A aldeia Tabaçu Reko Ypy está localizada na divisa entre Itanhaém e Peruíbe. Ela faz parte da Terra Indígena Piaçaguera, que conta com mais oito aldeias ao seu redor. O acesso à aldeia é feito pela Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, km 339. A partir daí, é necessário percorrer um trecho de 1,2 km de estrada de terra.

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Nhandecoroá - sala ambiente

A aldeia possui dois ambientes de vivência diferentes, sendo o primeiro as casas de madeira onde residem, que são chamadas de espaço contemporâneo e permitem que as pessoas usufruam de tecnologia e conforto, e o segundo um espaço mais próximo da natureza e que atua como uma sala ambiente, chamado de Nhandecoroá. Nesse ambiente mais natural, os indígenas chegam a passar uma semana ou mais vivendo da forma tradicional na mata, caçando, se alimentando de raízes e frutos, pegando lenha e dormindo ao relento, deixando qualquer influência externa de fora. “Eu levo toda a comunidade para lá, porque não tem como ensinar uma criança a falar a língua na escola se o pai dela e a mãe dela não falam. Então eu preciso dar acesso a essa educação diferenciada. Tenho que envolver a comunidade, fazer com que os pais se envolvam para educar seus filhos diante do fortalecimento da raiz cultural indígena”, afirma Itamirim.

Itamirim é esposa do morubixaba Wera Tabaçu Reko Ypy Tupi Guarani, que está registrado em português como Cleiton Eugênio Silvano. O líder do aldeamento opta por ser chamado de morubixaba, pois a denominação de cacique, que é a mais conhecida e usada, tem um significado histórico pejorativo. Segundo ele, os estudos mostram que cacique vêm da palavra “cão”, por conta das batalhas em defesa das terras. Esse título teria sido dado pelo homem branco, para expressar a bravura e o lado selvagem dos líderes da época.

Ele está à frente da Tabaçu há seis anos e diz que a internet é um instrumento de extrema importância para a divulgação das tradições e também para adquirir conhecimento sobre os direitos e outros segmentos da própria cultura indígena: “pesquisamos sobre outras culturas também, até sobre a caiçara, para que possamos agregar conhecimento”, declara. Dentre os aparelhos eletrônicos que o morubixaba usa e acha interessante, ele destaca a televisão como forma de aprendizado e o videogame como entretenimento. O próximo item que ele pretende adquirir é um projetor portátil para ajudar nos eventos e na sala de aula.

Thiago Zagare é representante da ONG Pena Indígena e sempre visita a aldeia. A principal ação da Ong é arrecadar doação de itens, como roupas ou alimentos, que os indígenas estejam precisando. Convivendo na Tabaçu, Zagare percebeu a necessidade de trabalhar em outras frentes. Foi assim, e com o objetivo de resgatar a cultura local, que foram desenvolvidos projetos para o cultivo de horta e a confecção de artesanatos. O principal desafio que vem sendo enfrentado pelo grupo é a falta de interesse da maioria dos indígenas.  “Mas também não é fácil viver no meio de um bairro onde a maioria dos moradores não gosta deles e também são discriminados”, afirma Zagare.

Isso reflete na defesa da cultura pelos próprios indígenas, uma vez que não se apropriam de sua cultura como deveriam. “Dependendo da aldeia, vemos que a cultura não existe mais. Outras aldeias estão tentando viver na cultura deles, mas está sendo complicado viver sem dignidade. A realidade é muito triste. Temos indígenas pegando papelão para garantir o sustento da família”, declara.

A comunidade sofre com a invasão de posseiros, pelo fato de estar localizada na divisa entre dois municípios. O outro lado da rua, que fica em frente à aldeia, pertence a Itanhaém, e lá residem muitas famílias que não são indígenas.

Por maiores que sejam as influências presentes na aldeia Tabaçu Reko Ypy, percebe-se uma necessidade de demonstrar os costumes habituais aos visitantes em datas e eventos comemorativos. As visitas à aldeia são monitoradas e cobradas. Elas só são realizadas a partir de grupos com 20 pessoas, e os valores cobrados individualmente ficam na faixa de R$ 5,00. Para os visitantes, também é possível pagar para vivenciar práticas indígenas, como, por exemplo, realizar pinturas de grafismos, que custam entre R$ 20,00 e R$ 30,00. Alimentação com pratos típicos também é cobrada.

                                                  

Eletrônicos preferidos na aldeia Rio Branco

Na aldeia Rio Branco vivem 17 famílias, totalizando cerca de 60 pessoas, todas da etnia Mbyá-Guarani. Destas, cinco têm aparelho celular. Mesmo sem sinal de telefonia móvel, os aparelhos são utilizados para verificar a data no calendário, fazer contas na calculadora ou ouvir notícias na rádio FM. Orelhão, televisores, antena parabólica, luz elétrica, máquina de lavar roupa e aparelhos que facilitam a colheita da plantação fazem parte da rotina da aldeia.

 

Uma pesquisa, com respostas de múltipla escolha, feita na comunidade para esta reportagem, questionou quais tecnologias eram consideradas mais interessantes para eles, tendo o celular sido escolhido por 28% dos entrevistados. Assim seria possível existir uma comunicação mais facilitada com outras lideranças indígenas para ter informações de reuniões e outros eventos, além de chamar socorro em caso de algum acidente. O computador também foi citado por 28% dos entrevistados. Itens como geladeira, televisão, rádio e internet também foram lembrados, todos com uma taxa de escolha de 14%.

O indígena Marcos da Silva Laurindo, 38 anos, nasceu na aldeia Rio Branco e nunca se mudou. Vê a tecnologia como um instrumento valioso. “Os mais antigos guardavam a experiência na cabeça. Mas agora o mundo tá mudado, né? Cada vez mais avançado na tecnologia. Então para nós é muito importante, para a gente escrever, ver a imagem das pessoas que a gente quer ver, conhecer algum lugar que a gente não conhece”, afirma.

Marcos tem uma preocupação de como o recurso da tecnologia, especialmente a internet, pode afetar a comunidade. Isso porque, segundo ele, da mesma forma que a Internet pode trazer informação e conhecimento para o bem, pode também apresentar as drogas, a violência e até o suicídio. “E não somente para os indígenas, uma vez que o juruá (homem branco) também é influenciado por ter acesso a esse conteúdo,” comenta.

Pai de três filhas e dois meninos, ele acredita que a orientação na família é importante para evitar o desvio de conduta. “Para nós, o certo mesmo é a gente dar educação para ele ler e entender o que está dizendo na escritura, na Internet”, diz.

 “Computador é muito importante. Completo, né!? Porque algumas pessoas já bem estudadinhas conseguem escrever e imprimir, né!? Tirar essa cópia e ler para todo mundo. A gente acha que é um instrumento muito forte para nós”, afirma Marcos.

Wera Xunu Mirim é o nome guarani de Ricardo da Silva.  “Wera” significa relâmpago e “Xunu” resistência. Ele nasceu em Parelheiros, aldeia que fica em São Paulo, e mudou-se para a Aldeia Rio Branco há 13 anos. Por sentir falta da mata, pediu para o avô levá-lo para morar com familiares em Itanhaém. Hoje, com 20 anos, ele garante que tem harmonia perto da natureza. O jovem foi vice-cacique da aldeia aos 14 anos e atualmente é o coordenador do coral indígena mais jovem do estado de São Paulo, onde o grupo de crianças e adolescentes viaja pelo país realizando apresentações.

A vontade do indígena é terminar o estudo no ensino médio, interrompido pela distância em que a aldeia se encontra da escola mais próxima. Wera frequentou as séries iniciais do ensino fundamental na escola da própria aldeia, mas, para cursar o Ensino Médio, é preciso andar 5 quilômetros e ainda seguir de ônibus por mais um trecho para chegar à escola. Mesmo com as dificuldades da distância e da discriminação sofrida por parte de alguns colegas brancos, Wera conseguiu terminar até o segundo ano.

Mesmo morando em casas de bloco feitas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), parte dos indígenas ainda não se acostumou, havendo muitas reclamações acerca do chão cimentado, que os impede de usar cachimbo e esculpir. Por isso, eles mantêm a casa de rezas feita com barro, madeira e palha. Todos os dias, antes das 18h, reúnem-se para rezar, cantar, dançar e contar histórias, saindo de lá entre meia-noite e uma hora da manhã.

“Com a grande quantidade de tecnologia que temos agora, muitas aldeias perdem o jeito de falar e modo de viver. Algumas falam só português, mas aqui só falamos em Guarani (M’Bya). Quando a gente fala em português é para conversar com o pessoal da cidade”, declara Wera.

Cleirray Wera Fernando têm 25 anos e é licenciado em História pela Universidade de São Paulo (USP). Ele morava em Bertioga e já foi professor na aldeia Rio Branco. Atualmente, leciona em outras escolas indígenas da região. Para ele, a globalização é a principal responsável pelo impacto causado em hábitos tradicionais do local: “Eu me lembro que, onde eu morava antigamente, em Bertioga, quando dava 17:00, todo mundo ia para a casa de rezas, e às 18:30 ninguém mais entrava lá. Quem entrou, entrou. Depois que chegou a televisão lá, os jovens não queriam mais ir, diziam que não iam porque tinham que assistir a novela”, referindo-se à telenovela “A Usurpadora”, transmitida pela emissora SBT e que fazia sucesso na época.

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A aldeia Rio Branco está localizada na terra indígena do Rio Branco, que abrange os municípios de Itanhaém,
São Vicente e São Paulo. O acesso é feito pela Estrada Rural do Rio Branco em Itanhaém, estado de São Paulo.

Ela fica a 28 km de distância da área urbana, e o trajeto de terra é repleto de  rios, cachoeiras e bananais.

Chegaram as 'tribos da cidade', os funkeiros, rappers e roqueiros, e os indígenas queriam se vestir igual a eles

Clerray Wera Fernando, professor indígena

Eu publico fotos da minha cultura em um “face” e no outro só adiciono as lideranças indígenas

Wera Xunu Mirim, coordenador do coral infantil Yy Ãkã Xi Porã

Responsável pela escola da Rio Branco, o professor e indígena Edi Carlos dos Santos acredita que deva existir orientação dentro da sala de aula, já que se o indígena não sair da escola sabendo como funcionam as ferramentas, ele fará um péssimo uso das mesmas. "Muitas vezes vem a tecnologia, mas não vem alguém para estar orientando. A gente conversa muito essa questão com eles", afirma.

Lideranças debatem sobre tecnologia

As lideranças indígenas têm frequentemente se reunido com os jovens para debater e orientá-los em relação ao uso que se faz da Internet, principalmente no que diz respeito a redes sociais como Facebook e Whatsapp.

Em abril deste ano, foi realizado o Encontro de Jovens Lideranças Indígenas na aldeia do Pico do Jaraguá, zona norte de São Paulo. O evento reuniu cerca de 85 jovens de vários lugares do país, como Santa Catarina e Rio de Janeiro.

Foram três dias de debates, onde os anciões palestraram sobre a importância do fortalecimento da cultura, os perigos no uso das redes sociais, dentre eles a pornografia e a prostituição, e como a troca de “nudes” é arriscada, uma vez que para eles a nudez é algo natural, mas o homem branco pode usufruir disso com más intenções. Alertaram também sobre o uso de bebidas alcoólicas e drogas e sobre as influências musicais e culturais externas. No telão, reproduziram imagens de bandas de rock, forró e pagode indígenas e analisaram tais comportamentos.

Quando o ancião mais velho começou a falar, todos os jovens prestaram atenção. Por ironia, ou para ampliar a divulgação do assunto para outras comunidades indígenas, alguns levantaram de seus lugares para fazer vídeos e fotos, além de lives para o Facebook.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bens de consumo

De acordo com antropólogo Darrell Champlin, não se pode falar em tecnologia e Internet sem analisar os impactos causados pelos bens de consumo, como a chegada da energia elétrica em regiões distantes do país na década de 1960. Este impacto influencia a Cosmovisão, conceito que significa a maneira que o ser humano identifica o mundo e tudo o que o cerca e que é justamente o ponto a ser atingido por aqueles que desejam mudar uma malha social.  “Você começa a introduzir desejos na pessoa que ela nunca teve antes, a convencer ela de que precisa ter algo que nunca teve e de que ela é melhor se tem aquilo. E se ela é melhor do que era antes, é melhor do que aquele que não tem agora”, afirma.

No decorrer dos anos, não apenas os indígenas mudaram, mas, sim, a sociedade como um todo. O alcance do conhecimento mudou. “Houve profunda mudança nas expectativas, no conhecimento e nos desejos. A cultura indígena não pode ser considerada forte, porque ela é igual a qualquer outra. Ela pode ser isolada, mas insira nessa cultura um elemento qualquer de mudança que veremos quanto tempo dura a chamada 'cultura tradicional'”, diz Darrell. Para ele, tanto indígenas quanto não-indígenas podem fazer o mau uso da tecnologia, tudo vai depender da finalidade desse uso.

 

Batismo na Rio Branco

Na religião indígena é realizado um evento chamado Nhemongarai, que é o batismo das crianças. Pela tradição, elas devem ser batizadas até os 3 anos de idade e os pais não podem escolher os nomes por vontade própria.  O pajé dirige a cerimônia de três dias, que conta com danças, cantos e rezas. Ao final desses dias, ele cai em sono profundo, em uma rede pendurada dentro da casa de reza. Pela manhã, ao acordar, ele batiza as crianças com os nomes que Nhanderu (Deus) disse a ele em sonho e explica os significados.

O batismo é feito com o botiapé, um pãozinho sem fermento produzido a partir das sementes de milho e assado nas cinzas. Esse pão é colocado no altar e com ele é realizada toda a cerimônia.

Michel Idris, técnico da Funai, explica que o Nhemongarai não acontecia há 28 anos na aldeia, porque eles não tinham mais as sementes tradicionais do milho. A partir da importância de preservar tais costumes, surgiu o projeto Avaxi Etei, que visa o resgate da cultura alimentar indígena. Com isso, alimentos típicos que já não existiam mais na aldeia foram introduzidos novamente por meio da troca de sementes entre comunidades indígenas de várias cidades brasileiras. As sementes do milho guarani também são batizadas antes de serem plantadas.

“Então, sobre esse projeto de resgate das sementes e depois a inclusão do milho guarani na merenda escolar, foi importante pra eles que esse milho passasse pelos rituais de batismo porque seriam servidos para as crianças. Quando ele é batizado e passa pelos rituais, ele passa a ser um alimento sagrado, no sentido de fortalecer o corpo e a alma. Ele é um remédio espiritual, então não foi só o resgate do milho, foi o resgate de todo esse arcabouço cultural da aldeia Rio Branco,” diz Michel.

 “O nome indígena é diferente do que representa o nome pra gente. É um nome de alma, um nome que coloca ele enquanto indivíduo na sociedade, é uma coisa muito maior, é espiritual”, diz o técnico.

Além de trabalhar na aldeia, Michel acabou se tornando amigo da comunidade e foi batizado com o nome guarani Tupã, “aquele que veio para ajudar”. Participa de projetos como o que implanta fogão de barro em aldeias e foi um dos responsáveis pela exposição fotográfica “Tekoá Yy Ãkã Xi Porã - Impressões do Cotidiano Guarani M’Byá”, do fotógrafo Karaí Mirim Werá. Karaí é um dos líderes da aldeia Rio Branco e, depois de participar de curso de fotografia em São Paulo, registrou mais de 1.500 fotos do cotidiano dos indígenas.

A câmera foi conseguida por meio de um projeto inscrito no Programa de Ação Cultural (PROAC) e é usada por toda a comunidade. Karaí adora tirar fotos de paisagens, rios e pássaros. No dia a dia, coordena um grupo de caciques mais jovens, além de ser monitor turístico. Por mais que tenha hábitos contemporâneos, eles sempre serão encarados como alternativos, nunca sendo vistos exatamente como parte de quem o indígena é. Afinal, vê-se como um Xondaro, um guerreiro. Veste roupa de branco, mas é índio.    

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A comunidade então se uniu e os jovens foram indagados se gostariam de se adaptar a uma sociedade que não era a deles. Foi, portanto, reforçada a ideia de que não interessa somente falar que era indígena, e sim praticar o que isso significa. “Você é um guerreiro, um Xondaro guarani!”, era o que se ouvia como forma de reforçar a identidade cultural dos jovens.

O professor é contra a internet, além de acreditar que o jovem indígena não consegue usar de forma correta as redes sociais. Ele considera que algumas postagens acabam municiando pessoas contrárias à manutenção das terras indígenas. “Exemplo foi uma pessoa que ficou chateada com o cacique e, ao invés de conversar internamente, postou no Facebook. Repercutiu com compartilhamentos daqui e dali. Nós somos um coletivo! O que tiver de ser discutido é coletivamente, não em rede social”, diz Cleirray.

Eu publico fotos da minha cultura em um “face” e no outro só adiciono as lideranças indígenas

Wera Xunu Mirim, coordenador do coral infantil Yy Ãkã Xi Porã 

© Tecnologia em aldeias indígenas - Trabalho de Conclusão de Curso - 2018

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